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Diabetes. S.
m. e f. Patol. 1. Síndrome caracterizada por uma eliminação exagerada e
permanente de urina. 2. Restr.V. diabetes melito. [Var.: diabete, diabetes
mellitus]. |
1. Introdução
O diabetes melito (DM) é uma síndrome sistêmica, crônica e
evolutiva caracterizada pela alteração do metabolismo de carboidratos, gorduras e
proteínas, decorrente da falta de insulina ou da sua incapacidade de agir adequadamente.
O excesso de glicose no sangue, caracterizado por hiperglicemia está presente, e dentre
as complicações que surgem no curso evolutivo da doença, encontram-se alterações
macrovasculares, microvasculares e neurológicas.
O termo "diabetes" foi primeiro usado no segundo
século D.C., e significa excessiva emissão de urina, achado freqüente na doença. A
palavra "mellitus" provém do latim, traduzindo-se em "adoçado com
açúcar", em referência à presença de glicose na urina dos pacientes.
2. Epidemiologia
O DM é uma das doenças crônicas mais comuns, trazendo problemas
tanto de saúde, quanto problemas econômicos. Segundo estimativas da Organização
Mundial de Saúde, em 1997 existiam 142,5 milhões de casos de DM no planeta (36,8 % em
países desenvolvidos e 63,2% nos países em desenvolvimento), projetando 154,4 milhões
de casos para o ano 2000 e para 2025, 299,9 milhões de pessoas afetadas (76% em países
em desenvolvimento). Há uma tendência da prevalência aumentar devido ao alargamento da
longevidade e às mudanças de hábitos atribuídas à crescente urbanização.
No Brasil, estima-se haver mais de 5 milhões de diabéticos,
projetando-se mais de 11 milhões para 2025. A prevalência do DM na população de 30 a
69 anos é estimada, a partir de dados em 9 capitais (ver tabela abaixo), em 7,6%,
porcentagem semelhante a de países desenvolvidos. A doença concentra-se na faixa de 60 a
69 anos (17,43% da população na faixa etária possui DM) e afeta homens e mulheres
igualmente. Trata-se da quarta causa de morte no Brasil, com alta taxa de morbidade, além
de mortalidade.
Os custos econômicos diretos e indiretos decorrentes dos gastos com a
doença representam de 5 a 14% dos gastos em saúde no Brasil. Nos Estados Unidos, os
gastos com o diabetes ficam em torno de US$ 138 bilhões/ano.
Faixa Etária |
Porcentagem (%) |
30 - 39 anos |
2,7 |
40 - 49 anos |
5,52 |
50 - 59 anos |
12,66 |
60 - 69 anos |
17,43 |
Prevalência de DM segundo
as faixas etárias.
Cidade |
Porcentagem (%) |
Brasília |
5,22 |
Recife |
6,42 |
Fortaleza |
6,48 |
Belém |
7,16 |
Rio de Janeiro |
7,47 |
Salvador |
7,87 |
João Pessoa |
7,95 |
Porto Alegre |
8,89 |
São Paulo |
9,66 |
Total no Brasil |
7,60 |
Prevalência de DM em
capitais brasileiras e o total no Brasil
3. Classificação
O DM é classificado, de acordo com a American Diabetes Association
(ADA)/National Institute of Health (NIH) da seguinte maneira:
- DM insulinodependente ou tipo 1 (DMID)
- DM não-insulinodependente ou tipo 2 (DMNID)
- DM relacionado à desnutrição
- Outros tipos de DM associado com certas condições e síndromes (doença pancreática,
doença de etiologia hormonal, condições induzidas por drogas ou produtos químicos,
anormalidades de insulina ou dos seus receptores, certas síndromes genéticas,
miscelânea)
- Tolerância à glicose diminuída
- Diabetes melito gestacional
- Anormalidade prévia de tolerância à glicose
- Anormalidade potencial da tolerância à glicose
3.1 DM Insulinodependente
O DM insulinodependente (DMID) caracteriza-se pela ausência de
produção da insulina, devido à destruição das células beta pancreáticas. Essa
destruição é um processo que ocorre em fases, sendo necessário haver susceptibilidade
genética ou uma possível ação viral nas células beta. Os pacientes com DMID são
geralmente magros (devido à falta da ação anabólica da insulina) e jovens.
Verificam-se picos na metade da 1ª década (talvez por maior exposição a
vírus) e na adolescência (talvez pelo aumento da síntese de GH, fazendo antagonismo com
a insulina). Esta forma de DM compreende cerca de 5%.
Como não há produção de insulina, existe a necessidade absoluta de
administração de insulina exógena nesses pacientes, caso contrário pode ocorrer uma
complicação conhecida como cetoacidose, a qual se instala abruptamente, podendo ser o
primeiro sintoma da doença.
A agregação familiar é incomum, verificando-se que um irmão gêmeo
monozigótico tem menos de 50% de chances de ter DMID.
O DMID pode ser denominado como sendo uma doença auto-imune
geneticamente programada. Ao estudar o ciclo evolutivo da doença, verifica-se que
existem 5 fases até a instalação dos sintomas.
- Estágio I
: refere-se à susceptibilidade genética do indivíduo, relacionada ao
complexo HLA. Sabe-se que HLA-DR3 e HLA-DR4 relacionam-se positivamente com o
desenvolvimento da doença, ao passo que HLA-DR2 relaciona-se negativamente.
- Estágio II:
refere-se a uma evento precipitante de destruição ou de
desenvolvimento de auto-imunidade contra as células beta. Acredita-se que vírus possam
desencadear esse processo através da (1) destruição celular direta, (2) geração de
citocinas que destroem as células, ou (3) indução de auto-imunidade cruzada. Esse papel
é atribuído a vírus principalmente pela observação de que a incidência de DMID é
maior no outono/inverno e coincide com infecções tais como caxumba, rubéola, influenza
e CMV.
- No estágio III surgem evidências da existência de anormalidades imunológicas
ativas, tais como (1) a observação da associação do DMID a antígenos de classe II, os
quais estão ligados a doenças auto-imunes, (2) à ocorrência de DMID concomitante a
outras endocrinopatias imunes, anemia perniciosa, miastenia gravis e vitiligo, (3) à
presença de infiltrado linfocítico nas ilhotas, semelhante a outras doenças
auto-imunes, (5) à presença de anticorpos direcionados contra a superfície e o
citoplasma das ilhotas, (6) o fato de que o DMID pode ser revertido em ratos através de
imunoterapia e (7) a rápida destruição das células beta em pâncreas transplantado de
um gêmeo monozigótico sem DMID para o gêmeo com DMID, sem haver rejeição. Esses 7
itens reforçam o fato de que o DMID é uma doença auto-imune. A destruição das
células é inicialmente mediada por linfócitos T não-dependentes e depois, por
linfócitos T helper do tipo 1, os quais suprimem LT helper tipo 2 e estimulam macrófagos
a destruírem as células beta.
- No estágio IV há perda progressiva da secreção de insulina
- No estágio V, surge o DM com manifestação de seus sintomas.
3.2 DM Não-Insulinodependente
Os pacientes com DMNID não dependem da insulina exógena. Nessa
doença, existe uma diminuição da secreção da insulina, mas não sua abolição, ou um
aumento na resistência dos receptores à ação da insulina - ou ainda a associação dos
dois. Os pacientes são tratados com dieta, exercícios e antidiabéticos orais, no
entanto, pode ser necessária a introdução de insulina no decorrer dos anos para melhor
controle metabólico. Como existe algum nível de insulina, não há tendência de
desenvolvimento de cetoacidose. O DMNID é diagnosticado mais freqüentemente em pacientes
com mais de 40 anos. Cerca de 80% dos afetado são obesos. A maioria passa longos
períodos sem sintomas e a primeira indicação clínica da doença pode ser a
complicação crônica. Esta forma de diabetes é a mais comum, correspondendo a 90% dos
casos.
Ao contrário do DMID, o DMNID possui um padrão de transmissão
genético autossômico dominante, podendo haver agregados familiares.
A resistência à ação da insulina pode ser atribuída a mutações
no substrato protéico necessário para a síntese da enzima tirosina quinase do receptor
(IRS-1), no próprio receptor para insulina, ou nas diversas proteínas envolvidas no
transporte e metabolismo de glucose (ex. GLUT 2, GLUT 4, Hexoquinase II, glicogênio
sintase). Além disso, a obesidade pode levar à resistência através da down
regulation de receptores para insulina principalmente.
De fato, obesidade e DMNID se relacionam fortemente. Por um lado,
geralmente a obesidade induz à resistência a insulina e, conseqüentemente, ao DMNID.
Por outro, o hiperinsulinismo existente no DMNID decorrente da resistência dos
receptores, leva à alteração do metabolismo, dirigindo-o para o anabolismo, ou seja,
acúmulo de energia e de gordura, causando obesidade.
No estágio inicial do DMNID, a resistência à insulina leva a um
hiperinsulinismo compensatório. Esse excesso de insulina leva à lipogênese, sendo
altamente aterogênico, podendo causar obstruções arteriais e trombose, além de
dislipidemia e hipertensão arterial. No estágio final, a capacidade das células beta em
produzir insulina cai drasticamente, agravando a doença.
Características |
DMID |
DMNID |
Idade |
Jovem |
Acima de 40
anos |
Tipo
físico |
Magro |
Obeso |
Insulina
plasmática |
Baixa ou
ausente |
Normal ou
elevada |
Complicação
aguda |
Cetoacidose |
Coma
hiperosmolar |
Insulinoterapia |
Responsivo |
Responsivo ou
resistente |
Hereditariedade |
Não |
Autossômica
dominante |
Prevalência |
5 a 10 % |
90 a 95 % |
3.3 DM Relacionado a Desnutrição
Presente em jovens com histórico de desnutrição calórico-protéica,
a qual leva a fibrose e calcificações do pâncreas.
3.4 Tolerância Diminuída a Glicose
Corresponde a glicemia intermediária entre o normal e o DM instalado.
Pode evoluir a DM, regredir até o normal ou permanecer inalterado. Cerca de 50% dos casos
evoluem a DM, sendo que esse risco pode ser diminuído com exercícios e dieta. É um
fator de risco para o desenvolvimento de DM e de doença cardiovascular.
3.5 DM Gestacional
Consiste em DM ou tolerância à glicose diminuída diagnosticado pela
primeira vez durante a gestação. Trata-se de uma das principais causas de óbito fetal.
O DM durante a gestação predispõe a diversas alterações, tais como bacteriúria
assintomática, pielonefrite, toxemia gravídica, vulvovaginites, infecção puerperal,
aborto, prematuridade, polidrâmnio, má-formações, macrossomia fetal e síndrome da
membrana hialina.
3.6 Anormalidade prévia de tolerância à glicose
Compreende indivíduos com tolerância à
glicose normal, mas com história de DM ou de intolerância à glicose transitória.
Enquadrados nessa condição citam-se grávidas com DM gestacional que voltaram ao normal
após o parto, estresse metabólico, pós-trauma
3.7 Anormalidade potencial da tolerância à glicose
Anormalidade potencial da tolerância à
glicose engloba pessoas com fatores de risco para o desenvolvimento de DM (idade avançada
superior a 40 anos, história familiar de DM, obesidade, antecedentes de recém-nascido
macrossômicos, de óbito fetal ou de complicações neonatais próprias do DM, presença
de doença vascular aterosclerótica anterior aos 50 anos, dislipidemia e hipertensão).
4. Diagnóstico
O diagnóstico de DM é feito seguindo um
dos três critérios:
- Presença de sintomas clássicos e glicemia plasmática venosa de jejum maior ou igual a
126 mg/dl ou 200 mg/dl, medida a qualquer hora do dia;
- Assintomático com glicemia plasmática venosa de jejum 126 mg/dl confirmada em duas ou
mais ocasiões;
- Glicemia plasmática venosa na amostra de 2 horas no teste oral de tolerância à
glucose com 75g (TOTG) 200 mg/dl.
Uma pessoa normal pode apresentar uma taxa glicêmica em jejum entre
110 e 126 mg/dl ou entre 140 e 200 mg/dl no TOTG.
|
Glicemia de jejum |
TOTG 2horas |
Normal |
110 mg/dl |
140 mg/dl |
Intolerância
à glicose |
110-126 mg/dl |
140-200 mg/dl |
DM |
126 mg/dl |
200 mg/dl |
O teste oral de tolerância à glicose
corresponde à ingestão de 75 gramas de glucose anidra dissolvidos em 300 ml de água, em
período não superior a 5 minutos. O jejum deve ser de 10 a 14 horas, com consumo mínimo
de 150 g de carboidratos por dia nos 3 dias anteriores ao teste. Durante o teste, o
paciente deve ficar em repouso e não deve estar acamado, doente ou com infecções. O uso
de medicamentos que alterem a glicemia deve ser suspenso 12 horas antes do teste. É
vetado o fumo ou café na manhã do teste
O rastreamento de DM gestacional deve ser feito a partir da 20ª
semana de gestação, por meio do teste oral de tolerância à glicose simplificado, com
50 g de glicose. A glicemia é dosada 1 hora após a ingesta, sendo o ponto de corte igual
a 130 mg/dl. O rastreamento também pode ser feito com uma glicemia de jejum, com ponto de
corte 85 mg/dl. Esses achados não são diagnósticos, mas sim uma triagem, sendo
necessário investigação diagnóstica.
5. Manifestações Clínicas
As manifestações próprias do DM
compreendem os "pês" clássicos
- Poliúria: aumento do volume urinário devido à diurese osmótica causada pela glicose;
- Polifagia: fome para contrabalançar o estado de catabolismo promovido pela falta de
insulina;
- Polidipsia: sede excessiva, para contrabalançar a perda de água.
Também podem ocorrer irritabilidade, infecções freqüentes (pela
imunossupressão relativa causada pelo hipercatabolismo), fadiga, perda de sensibilidade
de extremidades (pela neuropatia), visão embaçada (pela retinopatia ou alteração do
cristalino), perda de peso e alterações de coagulação (pelo catabolismo).
A primeira manifestação do DMID pode ser a cetoacidose
diabética, atribuída à hipoinsulinemia e à elevação de hormônios antagônicos (GH,
catecolaminas, glucagon e cortisol). Essa complicação não se relaciona com
hiperglicemia (embora ela freqüentemente esteja presente), mas sim à hipoinsulinemia,
causada pelo seu uso inadequado, estresse, doenças intercorrentes ou infecções. A
cetoacidose decorre da falta de insulina, presença de hormônios antagônicos, que leva
à lipólise, com liberação de ácido graxos livres, os quais são degradados a ácido
acetoacético e beta-hidroxibutírico, ou a combinação dos dois fatores. A presença
desses ácidos no sangue desencadeia manifestações tais como hiperpnéia (respiração
de Kussmaul), cetonúria, hálito cetônico, cetoacidose (pH arterial menor que 7,2 com
concentração de corpos cetônicos maior que 300 mg/dl), espoliação de potássio (pelo
antiporte H+/K+), desidratação grave (pela diurese osmótica
causada pela glicosúria, podendo evoluir a insuficiência renal) e hiperglicemia
(geralmente maior que 300 mg/dl). Podem estar associados náuseas, vômitos, anorexia, dor
abdominal (pseudo abdômen agudo), dor torácica, sonolência, torpor ou até mesmo coma e
morte. O tratamento dessa complicação aguda consiste na reidratação com solução
salina isotônica, insulinoterapia e correção do desequilíbrio eletrolítico com
reposição do potássio.
Em contraposição à cetoacidose, outra complicação aguda do DMID
pode ser a hipoglicemia, causada pelo excesso de insulina, omissão de refeição
ou excesso de exercício. A hipoglicemia é diagnosticada de acordo os sintomas de
hipoglicemia, podendo ser de ordem neuroglicopênica (calor, astenia, dificuldade de
pensamento, desmaios, tontura, dificuldade de fala, visão borrada, coma) ou neurogênicas
(palidez, sudorese, fome, tremor, taquicardia, ansiedade). O tratamento exige
administração de glucose a 50% EV imediata, pois a hipoglicemia pode levar à morte. Em
caso de dúvida se um paciente está tendo cetoacidose diabética ou hipoglicemia, deve-se
administrar glucose, pois se for cetoacidose, não fará mal e ser for hipoglicemia,
salvará a vida do paciente
|
Cetoacidose diabética |
Hipoglicemia |
Início |
Lento |
Súbito |
Causa |
Não-uso de
insulina, estresse, doença, infecção |
Excesso de
insulina, omissão de refeição, exercício extenuante |
Sinais/sintomas |
Polidipsia,
respiração de Kussmaul, náuseas, dor abdominal, hálito cetônico, desidratação |
Fome, sudorese
fria, astenia, cefaléia, tremores, convulsão, morte |
Glicosúria |
++++ |
0 |
Cetonúria |
++++ |
0 |
Glicemia |
Maior que 300
mg% |
Menor que 60
mg% |
A complicação aguda própria do DMNID
é o coma hiperosmolar não-cetótico, análogo à cetoacidose diabética no DMID.
É caracterizada por uma síndrome com extrema hiperglicemia e desidratação. A
fisiopatilogia envolve um desequilíbrio entre a produção de glicose e sua excreção na
urina. Ocorre principalmente em idosos com doenças intercorrentes que aumentam os níveis
de hormônios antagônicos e de glicose plasmática, seguido por incapacidade de ingerir
líquidos, levando à hiperosmolaridade e hiperglicemia.
Na admissão, os sintomas do paciente podem se confundir com os dos
evento precipitante, como infarto do miocárdio, pneumonia, queimaduras ou pancreatite
aguda. No exame, o paciente apresenta-se desidratado, com hipotensão, hipotermia,
confusão, convulsões e coma. A ausência de respiração de Kussmaul é útil para
diferenciar a complicação da cetoacidose.
6. Complicações Crônicas
As complicações do DM compreendem
principalmente aquelas de ordem microvascular, como perda de visão, insuficiência renal,
necrose de extremidades, neuropatia autonômica central, gastroparesia, neuropatia
dolorosa etc, e macrovascular ou cardiovascular, como infarto de miocárdio, acidente
vascular e doença vascular periférica. A doença cardiovascular é mais comum que as
complicações microvasculares, sendo a principal causa de morte e incapacitação em
pacientes com DMNID. O DM aumenta em 46,7 vezes o risco de insuficiência renal até os 44
anos, em 28,2 vezes o risco de amputação e em 24,7 vezes o risco de cegueira.
Os mecanismos que explicam o aparecimento das complicações crônicas
são a glicação não-enzimática das proteínas (a qual leva, em última análise, a
destruição tecidual e complicações macrovasculares), o aumento da atividade das vias
que aumentam a redução de glucose a sorbitol pela aldose redutase, inibindo bombas de
Na/K/ATPase e levando à deficiência de mio-inositol, e as anormalidades hemodinânicas.
- Neuropatia Diabética
A neuropatia diabética é a complicação
mais freqüente e precoce do DM, podendo atingir 80 a 100% dos pacientes a longo prazo,
sendo retardada e amenizada pelo controle glicêmico rigoroso.
As formas de neuropatia são mononeuropatia (afetando um nervo, com
sintomas de paralisia de membro ou extremidade), polineuropatia periférica (caracterizado
por déficit sensitivo simétrico em extremidades distais, associadas com dor) e
neuropatia autonômica (manifestando-se com hiperhidrose, hipotensão postural,
disfunção erétil ou distúrbios de motilidade da bexiga, esôfago, estômago, intestino
e vesícula biliar)
- Lesões de extremidades
O "pé diabético" é a principal
lesão de extremidades e é assim denominado devido às lesões dos pés decorrentes da
neuropatia, deformidades e, principalmente, doença vascular periférica. Ocorre quase
sempre após um trauma, mesmo pequeno, pode complicar com infecção e pode evoluir a um
ponto de necrose, sendo necessário amputação total ou parcial da extremidade. Apresenta
úlceras geralmente plantares, temperatura dos pés normal ou elevada, pele seca com
rachaduras, pulsos palpáveis, dor ausente, ausência de sensação dolorosa plantar, pé
rosáceo, entre outros. Pacientes diabéticos têm em torno de 15 vezes maior risco de
sofrer amputaçöes que os não diabéticos e 20% dos amputados morrem em 2 anos. A
insulinoterapia tem influência maléfica sobre os portadores de pés diabéticos; segundo
estudos, o seu uso deve ser bem limitado. Focos infecciosos profundos podem manter o
estado de desequilíbrio metabólico nos diabéticos portadores deles. Para se evitar
possível amputação ou mesmo morte do paciente, há necessidade de tratamento clínico e
cirúrgico especializado.
- Retinopatia Diabética
O DM é segunda causa de cegueira no mundo.
A retinopatia é causada pela vasodilatação capilar, aumento da sua permeabilidade,
espessamento da membrana basal, perda de células endoteliais, oclusão focal de capilar e
formação de shunts arteriovenosos, culminando com isquemia da retina. É classificada em
não-proliferativa - com áreas de oclusão e de dilatação capilar,
microaneurismas, hemorragias, exsudatos algodonosos referentes a microinfartos e exsudatos
duros formados pelo extravasamento de proteínas e de lipídeos - e proliferativa -
com formação de neovasos que podem levar a hemorragia vítrea, descolamento de retina e
cegueira. A retinopatia é manejada por meio de fotocoagulação com laser. Outras
complicações oftalmológicas podem ocorrer, como maculopatia, catarata e glaucoma.
|
|
|
Figura 1.
Fundo de Olho Normal |
Figura 2.
Retinopatia Diabética Não-proliferativa: exsudatos duros com padrão circinado
primacular associado a hemorragia e edema de mácula |
Figura 3.
Retinopatia Diabética proliferativa: Observar neovascularização no pólo posterior |
- Nefropatia
A nefropatia está presente em 15 % a 20 %
dos pacientes com DMNID e em 30 % a 40 % dos com DMID com longa evolução. Trata-se da
principal causa de insuficiência renal em pacientes que fazem diálise. É classificada
em nefropatia incipiente, clínica e insuficiência renal crônica. Inicia com
espessamento da membrana basal glomerular, aumento da matriz mesangial e espessamento
hialino das arteríolas aferentes e eferentes. A microalbuminúria inicial evolui a
macroalbuminúria, decréscimo do ritmo de filtração glomerular, síndrome nefrótica e
insuficiência renal.
- Doenças macrovasculares
As alterações metabólicas e estruturais
vasculares causadas pelo DM propiciam o acúmulo de lipídeos em artérias, levando a
aterosclerose, hipertensão arterial, isquemia e infarto. As alterações comuns ao
distúrbio endocrinológico e as alterações cardiovasculares são agrupadas numa
entidade denominada Síndrome Plurimetabólica ou Síndrome X, que consiste em obesidade,
hiperinsulinismo, hipertensão arterial, doença coronariana e alterações metabólicas
como hiperuricemia, dislipidemia e hiperglicemia.
7. Tratamento
No DMID, o tratamento medicamentoso
consiste principalmente no uso de insulina. Foi isolada pela primeira vez em 1921 pelo
canadense Dr. Frederick Banting e pelo estudante de medicina Charles Best a partir de
experiências em cães, rendendo-lhes o prêmio Nobel. Foi administrada a um paciente
gravemente diabético, mudando seu curso de rápida deterioração e morte para um curso
quase normal.
A insulina usada atualmente é de origem suína, diferindo de humana em
apenas um aminoácido. Existem vários tipos, com uso indicado de acordo com o perfil
glicêmico do paciente e com os parâmetros farmacocinéticos necessários. A insulina
regular ou cristalina possui ação rápida, freqüentemente utilizada antes das
refeições para diminuir o pico de glicemia pós-prandial. A insulina NPH (aspecto
leitoso) tem ação mais prolongada, sendo maior ainda que a insulina chamada Lenta. A
insulina Lispro (ultra-rápida), obtida através da modificação da insulina regular,
apresenta ação ainda mais rápida, com início em 5 a 15 minutos após a
administração.
A dose diária geralmente é de 0,52 a 0,75 U/kg, havendo vários
esquemas de associação dos diversos tipos de insulina afim de se obter o melhor
resultado. Cada ml de solução tem 100 U de insulina, devendo ser estocada na parte
inferior da geladeira. A aplicação é subcutânea perpendicularmente. As complicações
decorrentes da insulinoterapia compreendem hipoglicemia, lipodistrofia, alergia local ou
sistêmica e infecção nos locais de aplicação.
O exercício desempenha papel importante, pois beneficia o sistema
cardiovascular, abaixa a glicemia e diminui a resistência à insulina. Entretanto,
deve-se dar atenção à possibilidade de hipoglicemia, além de haver monitorização
freqüente às alterações metabólicas atribuídas ao exercício. São desaconselhadas
práticas de alto risco, como alpinismo, mergulho, etc.
Para o DMNID, além de dieta e exercícios, podem ser usados os
antidiabéticos orais, classificados como:
- Sulfuniluréias
: aumentam a secreção de insulina e diminuem a resistência à
insulina em menor intensidade. São indicadas para pacientes magros que possuem
deficiência de insulina em maior grau. Exemplo: glibeclamida, clorpropamida.
- Biguanidas
: aumentam a sensibilidade à insulina e também reduzem a absorção
intestinal de glicose, diminuem a gliconeogênese e aumentam a captação periférica de
glicose. São indicadas para os pacientes obesos, que têm resistência aumentada para a
insulina. Exemplo: metformina.
- Inibidores da alfa-glicosidase
: inibem as enzimas que quebram o amido, retardam a
absorção de carboidratos e atenuam a hiperglicemia pós-prandial. Exemplo acarbose.
- Insulina
: suprime a produção hepática de glicose, melhora e sensibilidade do
receptor.
8. Exames laboratoriais
Além da glicemia de jejum, o acompanhamento do paciente com diabetes
deve ser feito com a dosagem de hemoglobina glicada (HbA1c) ou de frutosamina
(os quais dão um parâmetro dos níveis de glicemia nos últimos 2 a 3 meses), perfil
lipídico, ácido úrico, parcial de urina, microalbuminúria, uréia, creatinina, ritmo
de filtração glomerular e ECG, todos com a freqüência determinada pela clínica e
pelas características de cada paciente.
9. Diabetes e Nutrição
Em um estudo feito pela endocrinologista Marília de Brito Gomes, do
Hospital Pedro Ernesto no Rio de janeiro, foi constatado que 2% dos adolescentes obesos
eram diabéticos e 12 % tinham intolerância à glicose, e que houve um aumento
significativo de outras doenças, como hipertensão arterial, taxa elevada de ácido
úrico e triglicerídeos, bem como um baixo nível de HDL nestes pacientes. Um forte sinal
de alerta é a medida da cintura de mais de 102cm para os homens e de mais de 88cm para as
mulheres.
Associado à insulinoterapia, o paciente deve ser orientado quanto à
dieta adequada com redução de gorduras saturadas, espaçamento das refeições e
restrição moderada de calorias (déficit de 250-500 kcal por dia). A dieta deve se
manter o mais próximo possível de uma dieta normal, não sendo necessário abolir
complemente a ingesta de carboidratos simples.
Todos os planos de controle do paciente com diabetes tipo II devem
incluir uma terapia nutricional individualizada e um programa de exercícios. Não existe
mais uma dieta isolada considerada ideal, mas tanto a American Dietetic Association como a
American Diabetes Association adotaram o conceito de que a dieta deve ser individualizada
para pacientes com diabetes tipo II.
A ingestão de nutrientes deve ser planejada para prevenir grandes
flutuações nos níveis de glicose sangüínea. Não é realista na maioria dos casos
esperar que a redução de peso seja atingida somente através da terapia médica
nutricional, sem uma terapia concomitante para modificação de comportamento e
exercícios físicos.
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- UNGER, R H, FOSTER, D W. Diabetes mellitus. In: WILSON, J. D. et al; Williams
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POR
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